Copa do Mundo na TZ

Copa do Mundo na The Zone

Continuando com a caminhada da The Zone rumo à Copa do Mundo, nesta edição abordaremos um assunto que faz com que todo torcedor brasileiro relembre que nosso país é o celeiro da vocação artística do futebol. Se você pensou em futebol-arte, logo teve a imagem da seleção de 1982 formada em sua mente. E é dela que falaremos um pouco mais hoje, suas qualidades, que eram inumeráveis, seus poucos defeitos e sobre episódios que fazem com que o futebol seja o esporte mais imprevisível e apaixonante do mundo.

Pré-Copa



A seleção que encantou o mundo em 1982 começou a ser montada no começo da década. Em 1980, Telê Santana assumia a seleção após a queda de Cláudio Coutinho, então técnico, após a Copa América daquele ano. Telê entrava no cargo para colocar todo seu conhecimento tático à disposição de uma geração de craques, como Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Júnior, Leandro, entre tantos outros. A base desta seleção já vinha sendo montada desde 1979, quando Coutinho já havia convocado alguns dos jogadores que seriam pilares do time de 82, como Falcão, Éder, Júnior e Sócrates.

A equipe fazia coletivos exaustivamente quando reunida, o que refletiu no entrosamento quase telepático entre os jogadores durante a copa. O primeiro grande teste da seleção de Telê foi o Mundialito do Uruguai em 80, competição em que foram convidadas todas as seleções que já haviam sido campeões mundiais até então. Nesta competição, a seleção não contou com Zico, Falcão e Éder, além de Leandro. Carlos, o goleiro titular até então, sofreu uma fratura, o que fez com que Valdir Peres se firmasse como títular após ser convocado pela primeira vez. Nos 3 jogos que fez na competição, o Brasil empatou com a Argentina em 1x1, goleou a Alemanha Ocidental por 4x1, mas na final perdeu para os donos da casa por 2x1, com um gol de Victorino aos 80 minutos. O treinador da celeste era o lendário goleiro Máspoli, arqueiro da seleção uruguaia na Copa de 1954, copa esta que o Uruguai ficou na terceira colocação.

Após o Mundialito, foram feitos alguns amistosos até que chegasse a data da copa de 1982, amistosos esses que confirmaram alguns nomes importantes na equipe como Leandro na lateral-direita e Roberto Dinamite como opção no elenco. Falcão, que não jogou as eliminatórias nem a maioria dos amistosos brasileiros por conta da não-liberação do jogador da Roma para a seleção, conseguiu participar dos dois últimos jogos brasileiros antes da copa, contra a Suíça e a Irlanda, 1x1 e 7x0, respectivamente.

Nestes amistosos, nasceu o quadrado mágico, formado por Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Sem dúvida um dos meio-campos mais talentosos que o mundo já viu, se não o mais talentoso. Eram quatro jogadores que eram craques em suas posições e apresentavam um futebol vistoso, Cerezo era o jogador que tinha habilidades mais "simples" e mesmo assim era um primeiro volante que tinha excelente qualidade com a bola nos pés.

A seleção de 82 era formada em um 4-3-3, com Waldir Peres no gol, Luisinho e Oscar, dois zagueiros com características diferentes, já que Luisinho gostava de se arriscar nas descidas para o ataque e Oscar era um pouco mais comedido.

Leandro e Júnior, os dois laterais, apoiavam com frequência e eram os responsáveis pela movimentação nos flancos, Leandro com um apoio muito mais lateral do que Júnior, que fechava mais pelo meio, já que a ponta-esquerda contava com Éder, um ponta de origem, mas a ponta-direita não, já que Sócrates e Zico revezavam-se nesta função, hora um pelo meio e outro pela ponta direita e vice-versa.

Além disso, o meio-campo era formado por Cerezo e Falcão na linha de "volantes", entre aspas já que Falcão que era tão ofensivo que poderia ser considerado mais um meia. Serginho Chulapa completava a equipe no comando do ataque, não era unanimidade já que o "dono" da posição, Careca, se machucou antes do mundial e infelizmente não pôde fazer parte desta equipe.

A configuração acima pode ser ilustrada dessa forma:


(Créditos: globoesporte.com)


A Copa


Na Copa, a seleção brasileira caiu no Grupo F, formado por Nova Zelândia, Escócia e União Soviética, além é claro do Brasil. Um grupo tranquilo, mas que não abria brecha para falhas já que Escócia e União Soviética contavam com bons jogadores como Dalglish e Souness para o lado dos escoceses e Dasaev e Blokhin para os soviéticos. Era preciso mostrar o bom futebol que já era esperado pelos torcedores.



Na estréia, o Brasil enfrentou a URSS, que começou o jogo proporcionando fortes emoções aos torcedores brasileiros, abrindo o placar aos 34 minutos do primeiro tempo com gol de Bal. Já no segundo tempo, o Brasil voltou um pouco menos nervoso, o que era normal já que era uma estréia de Copa do Mundo. O time se impôs, e aos 75, Sócrates empatou em um golaço de fóra da área. Faltando dois minutos para o final, Éder, em seus comuns chutaços, virou o jogo, decretando a vitória brasileira na primeira rodada. Apesar da estréia tensa, o Brasil desfilou em campo nos jogos seguintes, para o deleite da torcida.



Contra a seleção da Escócia, a seleção brasileira começou o jogo outra vez atrás no placar. A seleção escocesa abriu 1x0 no marcador aos 18 minutos de jogo. Porém, a virada brasileira seria em grande estilo, com 4 gols, feitos aos 33, 48, 63 e 87 minutos, por Zico em cobrança de falta, Oscar, Éder e Falcão respectivamente. A torcida iria ao delírio ao fim do jogo, já que o futebol apresentado pela seleção canarinho era inspirador. Na terceira e última partida da primeira fase, o Brasil enfrentou a frágil Nova Zelândia, marcando novamente 4 gols, mas sem tomar nenhum. Gols de Zico(2), Falcão e Serginho Chulapa. Ao fim da primeira fase, o Brasil jogava com facilidade e sobrava em campo, jogando um futebol ofensivo, que enchia os olhos do torcedor. Não havia dúvidas que o Brasil era o grande favorito a conquistar o título na Copa da Espanha.

Segunda Fase


A segunda fase da Copa do Mundo de 1982 foi disputada novamente em formato de grupos, sendo quatro grupos de três seleções cada. Os primeiros de cada grupo se classificavam para as semifinais. O grupo do Brasil era formado pela eterna rival Argentina, atual campeã mundial, e da desacreditada Itália.



Na primeira rodada, o Brasil encarou a Argentina do então jovem Maradona, no estádio Sarriá, casa do Espanyol, clube da cidade de Barcelona.
Apesar da confiança dos argentinos em um dos maiores craques do século, o time de Maradona não conseguiu frear o futebol envolvente dos brasileiros e sucumbiu, vitória brasileira por 3x1, com gols de Zico, Serginho Chulapa e Júnior, todos antes dos 30 minutos do primeiro tempo. Um verdadeiro banho de bola. Díaz ainda diminuiu no final do jogo, mas foi um gol que já não adiantava mais nada. Maradona ainda seria expulso da partida por cometer uma entrada duríssima em Batista.

No jogo seguinte do grupo, a Itália venceu a Argentina e mandou a seleção liderada por Maradona para casa com duas derrotas nas costas. Com este resultado, Itália e Brasil fariam um confronto direto pela vaga nas Semifinais. Para os brasileiros, o empate era suficiente para o avanço à próxima fase, já que tinha vantagem pelos critérios de desempate. Para a Itália, uma vitória simples bastava. Eis que chega o fatídico dia, 5 de Julho de 1982.



Brasil e Itália vinham de histórico recente de confrontos em Copas do Mundo, com embates em 1970 e 1978, ambos com vitórias brasileiras. Dois confrontos que ficaram marcados nas memórias de ambas as seleções, já que a Itália teria a chance de ouro de se vingar após duas derrotas dolorosas para as excelentes seleções brasileiras de 70 e 78, e o Brasil tinha outra chance de bater seu freguês e seguir soberano rumo ao tetra-campeonato mundial. Além disso, a Itália fez uma campanha medíocre na primeira fase, com 3 empates contra Camarões, Polônia e Peru, o que fazia com que a torcida brasileira ficasse ainda mais confiante. Porém, os brasileiros não contavam com um jogador iluminado naquele marcante 5 de Julho. Paolo Rossi, que ainda não havia marcado um gol sequer na Copa, desencantou e fez a partida mais brilhante de sua carreira. Apoiado por uma equipe que marcava forte e anulava com eficiência os pontos fortes brasileiros, o italiano desequilibrou a partida a favor de sua seleção.

Já aos cinco minutos, Rossi abriu o placar. Aos 12, após jogada de Zico e belo passe do mesmo, Sócrates empatou para o Brasil. Aos 25 porém, após uma falha grotesca de Cerezo, consequência da forte marcação italiana na saída de bola brasileira, Rossi colocaria os italianos na frente mais uma vez, com o placar de 2x1. Já no segundo tempo, Falcão empatou ao jogo e deu aos brasileiros a esperança da classificação, já que um empate bastava para a seleção canarinho. Porém, por sua já conhecida natureza ofensiva, o Brasil continuou atacando e buscando o resultado, o que abriu espaços para o contra-ataque italiano. Aos 75 minutos, Rossi fechou a conta para a Itália, 3x2. A partida ainda teria muita emoção nos 15 minutos finais, com um lance de Oscar, que cabeceou a bola com precisão ao gol mas que parou na muralha chamada Dino Zoff.

Fim de jogo. O futebol encantador, ofensivo e mágico havia sido derrotado pelo futebol defensivo e estratégico. A magia havia acabado. Fim de linha para o futebol-arte em sua terra de origem. Após a tragédia de 82, a Seleção Brasileira nunca mais teve um esquadrão tão habilidoso, que desenvolvesse um futebol tão convincente. O Brasil montaria bons times com o passar dos anos, como em 94 e 2002, conquistando o tetra e o penta, mas em times mais marcados pela eficiência do que propriamente pela técnica e o jogo bonito. O futebol brasileiro "endureceu" após o trauma sofrido.

Pontos Fracos


Os poucos pontos fracos do Brasil ficaram evidentes naquela partida contra a Itália. Defensivamente, era um time que abria muitos espaços, o que era natural, já que era uma equipe muito ofensiva. Júnior e Leandro desciam muito ao ataque, o que criava um corredor lateral às suas costas que podia ser explorado por contra-ataques. A cobertura dos zagueiros aos dois não era suficiente. Além disso, Serginho Chulapa, contestado por boa parte dos torcedores, foi ineficiente na partida, como em boa parte da Copa. Faltou um centro-avante que pudesse fazer triangulações com Sócrates e Zico. Faltou Careca, o craque e dono por direito da camisa 9 daquela seleção se não fosse sua grave lesão pouco antes do Mundial.

Outra deficiência que ficou provada nesta partida foi o fato de que o Brasil era tão ofensivo, que não soube jogar "com o regulamento debaixo do braço" e partiu para cima dos italianos mesmo com o resultado favorável de 2x2. Era um time que era tão envolvente, tão genial, que não sabia jogar para se defender.

Derrotas como da Hungria de Puskas em 1954, do Carrossel Holandês em 1974 e da Seleção Canarinho de 82 fazem o torcedor refletir como o futebol é imprevisível e surpreendente. Verdadeiros esquadrões nem sempre conseguem alcançar a glória máxima. A derrota de 82 foi muito sentida pelos torcedores brasileiros, mas também por todos os outros torcedores, excluindo claro, italianos e argentinos. Era a derrota do futebol. A seleção de 1982 foi tão genial que mesmo sem conquistar o título, ficou marcada como exemplo e até hoje é lembrada e utilizada como exemplo por diversos treinadores pelo mundo, como Pep Guardiola, atual campeão do mundo com o Bayern de Munique.

E assim, terminou mais um episódio da história do futebol mundial. Terminou, a Tragédia de Sarriá.

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